Conheça as mulheres que, juntas, estão transformando a coquetelaria num lugar melhor para elas
Uma conexão a mais e elas já não estão no mesmo lugar. Com coletivos femininos de coquetelaria, as mulheres mostram que a união não só faz a força, mas transforma vidas. Se até pouco tempo atrás elas ocupavam lugares de coadjuvantes, hoje têm papel de destaque, comandam equipes, combatem a violência de gênero na barra e mudam as regras de um universo majoritariamente masculino. No Dia da Mulher, conheça algumas das iniciativas que estão ajudando a mudar esse cenário.
– Muita coisa mudou, mas ao mesmo tempo ainda é pouco. Às vezes parece que estamos no mesmo lugar. Por um lado, vemos mais mulheres e dissidentes na gastronomia, não só no bar como também em cargos hierárquicos, mas a situação ainda é desfavorável em termos de trabalho e salário – diz a jornalista Laura Marajofsky, fundadora da plataforma argentina Mapa de Barmaids & Afines (instagram.com/mapadebarmaids) a primeira de visibilidade e empoderamento feminino na América Latina. – Para dizer pelo menos uma coisa positiva, mudou um pouco a mentalidade do consumidor, que agora dá mais atenção ao comércio justo, às práticas de pagamento, à tolerância zero com a violência no ambiente de trabalho e de clientes.Criada em 2018 para dar visibilidade aos talentos femininos e criar uma ferramenta para encontrá-los, a ONG, com sede em Buenos Aires, atende mulheres profissionais e pessoas LGBTQIA+ em diferentes países de atuação, como México, Chile, Uruguai e Espanha, trabalhando em três áreas do setor de hospitalidade: gênero, saúde e formação. Hoje, são cerca de 800 mulheres mapeadas em todo o país de origem, e a rede regional conta com quase 1.500.
– O Mapa já é referência em gênero e bem-estar na região por ter colocado esses temas em pauta e promover uma leitura 360º no setor. Realizamos atividades contra a violência sexista na gastronomia, tanto na esfera pública quanto na privada, na Argentina e em outros países da América Latina desde 2018, e trabalhamos com plataformas internacionais e grandes marcas. As mulheres podem se cadastrar gratuitamente by way of formulários que disponibilizamos on-line nas redes sociais e websites oficiais da Argentina, México, Chile e Uruguai. E word que não é só para bartenders, já há algum tempo mapeamos em sete especialidades que abrangem culinária, empreendedorismo, mundo do vinho, café, chá-mate, cerveja e destilados.Por aqui, as mulheres também se organizaram em prol das mudanças. Em 2019 surgiu o Visitor das Minas, um coletivo que hoje acolhe 120 mulheres no país inteiro, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. O projeto é tocado por Paola Menezes, Júlia D’Alessandro e Vera Lygia.
– Durante muitos anos, tivemos as mesmas poucas mulheres como referência no bar. A gente sabia que existiam outras, mas elas eram invisibilizadas. Sempre ficavam atrás e não apareciam – avalia Paola, uma das idealizadoras do movimento. – Muitas mulheres que trabalhavam há anos num bar nunca tinham participado de um visitor! Fiz um, em formato de bateria, com mulheres que se sentiam da mesma forma que eu. Vimos que tínhamos forças juntas e decidimos montar o coletivo. Dessa trajetória, Paola destaca o BCB de 2022 como um dos momentos mais emblemáticos do movimento:
– Combinamos de ir vestidas com a camiseta do coletivo. E, naquele espaço gigantesco, as mulheres se reconheciam, se falavam e iam prestigiar o trabalho umas das outras. Juntar o pessoal e ver o Brasil inteiro acolher o movimento foi muito marcante. Olhar outras pessoas conquistando espaço a partir de iniciativas minhas é muito gratificante, é coisa que dinheiro nenhum compra.
Os frutos já começaram a brotar.
– Hoje, temos muitas mulheres em cargos de liderança e que conseguem se destacar no mercado, temos mais mulheres participando e ganhando campeonatos. Temos um lugar de fala na coquetelaria – afirma Paola. Na pandemia, surgiu o Ada Coleman, uma ação coletiva criada por Thatta Kimura, Dida Teodoro, Chula Barmaid e Michelly Rossi.
– A gente percebeu que tinha muita gente entrando em situação de vulnerabilidade com o fechamento dos bares e as demissões. E a indústria focou muito nos bartenders como garotos propaganda da marca em vez de se preocupar efetivamente com a saúde e a alimentação dessas pessoas – conta Thatta. – Fizemos venda de kits de bebida que conseguimos com as marcas e redirecionamos esse dinheiro para mulheres da área do Brasil inteiro que estavam em situação de vulnerabilidade, pagando um salário mínimo.
No entanto, o que period para ser uma pausa rápida acabou se transformando num longo período de confinamento, a estratégia mudou.
– Partimos para o lado pedagógico, já que estava todo mundo em casa e period possível um alcance grande pela web. Então, começamos a fazer workshops on-line sobre vários temas. Quando acabou a pandemia, seguimos com as masterclasses, ajudando no conhecimento, com bolsas de estudo e parcerias. Conhecimentos que vão muito além do balcão do bar.
– Meu objetivo é usar o privilégio e contatos que tenho para dar embasamento para essas pessoas, para elas saberem o que estão fazendo. Não só como bater um coquetel. Mas quais são seus direitos trabalhistas? O que é assédio ethical? Qual a diferença entre PJ e CLT? É isso que quero dar para essas minas, para elas terem como arma na mão, porque só assim a gente vai conseguir desbancar esse sistema patriarcal. E mesmo assim vai ser difícil.
Em Curitiba, surgiu, em 2020, o Corre Guria, uma rede de apoio ao desenvolvimento feminino promovendo eventos que vão além de campeonatos e que trazem também acolhimento, debates e trocas importantes servindo como plataforma para compartilhar informações profissionais e sobre direitos e saúde da mulher.
– O Corre Guria não surgiu exatamente de uma ideia, existia a necessidade urgente de uma rede de apoio na nossa área aqui na cidade. Começou como um campeonato independente de coquetelaria inspirado no Velocity Rack, idealizado pelas incríveis Yvy Combine e Lynnette Marrero, mas desde o início envolveu e alcançou mulheres em todas as camadas da gastronomia e hospitalidade, além de termos o apoio de artistas, médicas, advogadas e outras profissionais dedicadas à evolução feminina no mercado de trabalho – conta Jaci Andrade.
Atualmente, quatro mulheres estão à frente da organização das ações do Corre Guria, contando sempre com equipes de apoio de até 10 pessoas em eventos que já mobilizaram mais de 150 pessoas em plena segunda-feira curitibana – o que é bastante representativo.
– Mapeamos e damos visibilidade ao trabalho feminino com workshops e campeonatos de coquetelaria, como a já clássica Minicopa de Blood Mary; oficinas de defesa pessoal; e rodas de conversa. Em todos nossos eventos, arrecadamos absorventes que são doados para ONGs da cidade que atendem mulheres em situação de vulnerabilidade – explica Jaci, que já reconhece mudanças significativas desde que o coletivo foi criado. – É um senso de comunidade actual, sabemos onde outras mulheres trabalham, compartilhamos experiências e conhecimento. Hoje é um pouco menos complicado (não disse fácil) conseguir apoio para iniciativas exclusivamente femininas, também já temos mais mulheres liderando balcões e equipes pela cidade, vemos mulheres mais confortáveis bebendo sozinhas, e é lindo saber que é um espaço que conquistamos juntas.
Ações que fazem a diferença
Desde que foi fundado, o Mapa já concretizou diversas ações transformadoras, como uma campanha de conscientização contra a violência de gênero nos bares; a criação de um protocolo para prevenir situações de violência nos bares; pesquisas; palestras; seminários; e aulas de ioga e de exercícios pensados especialmente para a classe, para diminuir o estresse e incrementar a saúde psychological; além da produção de conteúdo nas redes, blogs, podcast e uma e-newsletter mensal.
– Também oferecemos treinamento e consultoria dentro e fora do setor. Embora seja uma comunidade com foco na gastronomia, não é preciso ser profissional para consumir o conteúdo ou participar das nossas atividades. Com um bar para chamar de seu, o Dentro, em São Paulo, Thatta abraçou os treinamentos de uma forma mais inclusiva, para sair da bolha.
– Quando as empresas ou bares fazem esse tipo de treinamento, é fechado para quem trabalha no lugar. São listas tremendous exclusivas, e quem participa dessas ações são sempre as mesmas pessoas que, geralmente, não levam conhecimento para quem precisa. Quero mudar um pouco a realidade disso. Quero que as pessoas tenham como vir no masterclass. Não adianta oferecer um treinamento para uma mina que está em situação de vulnerabilidade e obrigá-la a arcar com o transporte. Não faz sentido.
O Visitor das Minas segue fazendo os encontros nas barras, uma forma de divulgar o trabalho das mulheres, sempre agregado a um workshop com temas relacionados à coquetelaria, como gelo ou fermentação pure, além de ser uma grande rede de vagas de trabalho. Os desafios, no entanto, continuam gigantescos.
– Pesquisas e relatórios nos mostram que o setor continua a ser um terreno árido para mulheres e pessoas LGBTQIA+, que preferem trabalhar em outras áreas devido à discriminação de gênero, à violência no native de trabalho e ao micromachismo cotidiano. Sem falar se você for mãe e profissional… O setor ainda tem muito o que avançar nessa questão em relação a práticas de apoio e sustentação às mães que querem trabalhar, em ambientes mais respeitosos, em licenças para mães e pais and so on.
– Como um todo, acho que deu uma visibilidade um pouco maior para as minas da nossa área. Não acho que está bom ainda, precisa pelo menos de uns 100 anos para conseguirmos alguma coisa que seja minimamente justa. As pessoas hoje em dia contratam minas porque precisam ter minas na equipe. Daí, contratam uma para ser barback e ganhar R$ 1 mil. Ao mesmo tempo que a gente deu visibilidade para as minas, essa porta também foi aberta, de as pessoas serem muito mais abusivas de outras formas. A área precisa de uma melhora num todo – reflete Thatta. – Tem muita mulher que é casca grossa porque já teve que aguentar muita coisa na vida, e esse não é o supreme. A gente não quer que só as fortes sobrevivam. Nossa área não é sobrevivência, é hospitalidade, atendimento.
Apesar das conquistas, ainda há muito o que ser feito.
– Dar ênfase à educação de gênero e à formação das equipes de trabalho nos estabelecimentos e empresas do setor, razão pela qual o Mapa está tão focado na formação no setor privado, eu diria, é um dos focos principais.
Os outros são continuar a mapear as mulheres (este ano esperamos lançar a plataforma internet no Uruguai e no Chile) e consideramos a produção de dados de gênero no setor essencial para impulsionar políticas públicas e erradicar a violência de gênero em todas as suas formas. É por isso que a ideia agora é sair e procurar financiamento internacional para continuar o trabalho do nosso Observatório de Gênero e Saúde e lançar a segunda parte do relatório “Lado B da gastronomia” – explica Laura.
E elas já estão trabalhando para um futuro ainda melhor.
– Queremos melhorar a estrutura dos nossos eventos e oferecer melhores premiações. Levar o campeonato para outras cidades do Brasil e oferecer mais workshops e cursos para o desenvolvimento profissional de mulheres que trabalham no bar. Como iniciativa independente, o apoio da grande indústria seria supreme para conquistar esses e outros objetivos – reforça Jaci.
– A gente ainda vai mudar muito o formato da coquetelaria trabalhar, investindo na parte de formação e qualificação no mercado, não só das mulheres que já estão trabalhando, mas das que pretendem ingressar na coquetelaria – diz Paola, confiante. – É de extrema importância fazer movimentos como esses. Criar um espaço de troca de conhecimento. Se cada uma que sabe um pouco compartilhar, a gente vai saber um pouco mais.